quando há sol, não é para todos
Ontem tive o privilégio de ter um momento de partilha com um voluntário dos Médicos sem Fronteiras (MSF). Ele abriu um pouco do seu coração e das suas experiências, numa partilha pura e comovente e desprovida de preconceitos e clichés.
Teve a oportunidade de partilhar um momento que viveu na sua última missão, na Síria, em pleno coração de conflitos onde após vários dias negros, de desgraça, morte, chuva e tristeza um dia brilhante desponta, com o sol a sorrir bem alto para todos os eles. Na sua ingenuidade apreciou esse momento, contemplou aquele sol brilhante, disfrutou um pouco da sua luz e calor e na “tenda” médica comentou com os locais:
- “Que belo dia de sol está hoje!”
- “ Não Doutor. Hoje está um dia péssimo! Está sol, o céu está limpo por isso eles vão voar … “
E essa cruel constatação rapidamente se tornou verdade, dentro de pouco tempo o local começou a ser sobrevoado, começaram a ser atacados pelos radicais, mais mortes continuaram a acontecer, mais feridos continuaram a encher a “tenda” médica em busca de auxílio dos MSF.
Desta forma se percebe que, de facto, “quando há sol, não é para todos”; algo sobre o qual nunca eu tinha refletido. É violenta esta constatação, cruel pensar que enquanto seguimos com a nossa vida muito mais bem-dispostos porque está um belo dia de sol, com outra alegria talvez e até com mais motivação para trabalhar, do outro lado do mundo muitos milhares morrem porque esse mesmo sol nasceu tornando-os mais vulneráveis.
Para alguns, um belo dia de sol significa temer pela própria vida, viver sobressaltado sempre á espera do inimigo, viver a controlar os céus ou a esquina á espera da próxima atrocidade e sentirem-se constantemente impotentes perante o radicalismo e ganância que os rodeiam.
Foi um momento gratificante esta partilha e quando achamos que fazemos alguma coisa em prol da humanidade, que marcamos a diferença nas ações de voluntariado que fazemos, quando achamos que estamos a fazer o que nos é possível, eis que vem uma pessoa como ele demonstrar que de facto o céu é o limite, que o coração pode ser infinitamente grande, que o mundo não tem fronteiras porque toda gente, de qualquer cultura, religião ou crença, no fundo quer que alguém lhe estique a mão e tenha uma palavra de apreço.