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Estou só a dizer coisas ...

um espaço para a reflexão e partilha ...

Estou só a dizer coisas ...

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ter a consciência da nossa finitude

Tri, 10.05.23

Eu sei que sempre ouvimos dizer que todos “estamos a morrer”, que “desde que nascemos que estamos em contagem decrescente” e outros clichés do género (e são verdade, eu sei!) mas quando isso se torna palpável, quando esse tempo que nos resta é mensurável, o que fazemos com essa informação?

Fomos criados com medo da morte, um medo quase instintivo, (se não se falar pode ser que não exista, não é?) o desconhecido é algo que nos encanita o espírito, não saber ao certo o que acontece gera-nos angústia pelas perguntas sem resposta que acumulamos. Naturalmente que tentamos evitar a morte e fazemos o possível para que tal não aconteça, no entanto, é a única certeza que temos. É inevitável! (e vai mais um cliché)

O que aconteceria se, de repente, soubéssemos exatamente o dia em que morreríamos? O que faríamos? Como iríamos usar o nosso tempo limitado na Terra da melhor forma possível?

Segundo um estudo realizado por cientistas da Universidade de Bar Ilan, em Israel, o cérebro tem um mecanismo de defesa que nos protege do medo existencial da morte. Ou seja, no momento em que adquirimos a capacidade de perspetivar o nosso futuro, percebemos que num dado momento iremos morrer e não há nada que se possa fazer em relação a isso. No entanto, isso é contranatura, porque aquilo que o nosso organismo biológico pretende é lutar para nos manter vivos, daí afirmarem que o nosso cérebro nos defende da morte.

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Confesso que também tento não pensar muito no assunto, limito a tentar viver a vida o melhor que consigo e me é possível. Como já partilhei por aqui várias vezes, tenho o meu livro da gratidão há anos onde escrevo diariamente. Sou grata todos os dias por acordar neste país, por estar junto da minha família, por ter saúde e uma série de outras coisas. E, efetivamente, todos os dias tenho algo por que ser grata, pequenas coisas mesmo, às vezes sou muito bem atendida no supermercado e já acho isso digno de nota.

Mas ter a consciência que temos que desfrutar todos os dias, estar para as nossas pessoas porque nunca sabemos bem quando é o último … é algo que me custa um pouco a conceber, confesso.

O meu tio tem neste momento três problemas de saúde (não vale a pena entrar em detalhes médicos que são tão complexos que nem eu percebo bem) e não consegue tratar. Qualquer tratamento que faça para um deles, agrava os outros. O último a aparecer foi o cancro que não pode “ver quimio” porque acentua a progressão dos outros dois…e assim, em três meses te dão um prazo de validade…te dizem «se ainda tinhas planos futuros, sonhos por realizar, esquece, porque não dá para prolongar o prazo».

De facto, não há nada que se possa fazer, nada para tomar, basicamente é esperar pelo dia…pelo último dia.

Ele está bastante tranquilo com a sua finitude, quase que conformado…às vezes apetece abanar «podes, pelo menos, ficar um pouco mais triste por partires»?

Mas não regras de como devemos reagir a estas notícias, não há certo e errado nestas coisas, não há procedimentos standard a seguir, ninguém nos diz como nos devemos sentir nestes momentos, como é ficar sem chão…

Não consigo imaginar o que é saber a minha validade, saber o tempo que me resta…o que se faz com essa informação?

Corremos contra o tempo tentando fazer tudo o que temos na lista que escrevemos aos 30 anos? Queremos ver todas as pessoas que nos rodeiam? Ignoramos e vivemos a vida com a rotina normal, sabendo, de antemão, que já não precisamos programar onde vamos na próxima passagem de ano…?

A vida prega-nos partidas, como bem sabemos, difícil é dar a volta e torná-las em oportunidades…

a minha Dª Antónia

Tri, 26.05.17

A minha Dª Antónia tinha 96 anos, uma vida preenchida, apesar da solidão interior que tendia em manchar os seus dias, tinha amigas e visitas.

Foi uma Mulher grande, lutadora, trabalhadora, criou uma filha sozinha e teve a coragem de se divorciar quando tal era recriminado por toda uma sociedade, pela própria família…

 

A sua filha teimava em ligar, todos os dias às 20h00, não tentava distraí-la apenas arranjar algum novo pretexto para ralhar com ela…seria o seu jeito de demonstrar o carinho e preocupação que tinha obviamente para com a mãe.

 

A minha Dª Antónia era uma mulher de sabedoria, com muitas histórias para partilhar e sempre de bom humor e pronta a receber-nos com um sorriso no rosto. Trabalhou arduamente até aos 84 anos, sempre senhora de uma cabeça muito equilibrada, conseguia dar rumo de toda a cidade, e contar-nos o “antes e depois” de todas as ruas; que agora “já não são nada como naquele tempo e estão sempre cheias de pessoas”.  

 

A minha Dª Antónia não era minha, mas é como se fosse...aquele abraço apertado, aquele beijinho com um sorriso, todas as histórias partilhadas, todas as gargalhadas dadas juntas faz com que seja um bocadinho minha.

 

A minha Dª Antónia vivia na casa onde nasceu, onde viveu toda uma vida e onde viu partir todos os seus entes queridos. Não queria sair dali, por mais que a filha insistisse, por mais que as meninas da Santa Casa falassem em lar; não queria sair da sua casa que o seu pai alugou com tanto custo 100 anos antes.

 

Não ouvia de um ouvido, mas insistia em querer saber como ia o mundo, e nós contávamos-lhe (gritávamos até ...) apesar de os dias de hoje “serem muito diferentes; já nem as meninas novas se casam”. Deixou de ver TV, mesmo no volume máximo, dizia que era mais fácil os vizinhos que passavam na rua ouvirem o ‘Goucha’ do que ela própria.

 

Agora a minha Dª Antónia já não está, não está aquele abraço pronto mal se abria a porta de casa, aquele beijinho repenicado, aquele ‘juízo Dª Antónia, nada de ir namorar quando sairmos’, aquela gargalhada com vontade, já não espera por nós…