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Estou só a dizer coisas ...

um espaço para a reflexão e partilha ...

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“Não ter quem se lembre sequer de nós é um duro golpe na nossa existência”

Tri, 30.08.21

O mote que me despoletou esta reflexão foi dado pelo João, sem mesmo ele saber, num dos comentários que fez aqui no blog, porque é uma frase que me tocou de tão verdadeira e por conhecer quem a viva.

Sou voluntária já há muitos anos e já passei por diferentes projetos com diferentes áreas de atuação, nos últimos 7 anos “estagnei” na associação onde me encontro atualmente e um dos projetos nos quais estou inserida é o acompanhamento de idosos em situação de isolamento da cidade do Porto.

E tenho que vos confessar que é uma realidade chocante.

Primeiro é chocante conhecer alguns dos buracos (literalmente) em que alguns vivem, pequenas casas, sem condições, onde chove lá dentro, onde a casa banho ainda é na rua (como era a da minha avó, está certo…mas as coisas vão evoluindo, não é verdade?), onde às vezes entrar 2 ou 3 voluntários lá em casa, já é sinal de casa cheia (porque fica mesmo cheia, não cabe mais nada …não entendo como é que em tempos moraram lá 10 pessoas ou assim).

Segundo porque muitas destas pessoas estão completamente desprovidas de atenção e cuidado, são completamente negligenciadas pela sociedade. Atenção, algumas delas têm algum apoio da Junta de Freguesia ou assim ou de uma Santa Casa (?) mas mesmo para isso é preciso terem dinheiro e as reformas são de trezentos euros (às vezes um pouco mais…na loucura), mal dá para comer quanto mais para pagar “luxos” de ter alguém a ir ajudar na higiene ou ir entregar uma refeição decente por dia.

Terceiro são pessoas que não têm família ou qualquer tipo de retaguarda familiar, por diversos motivos porque efetivamente já são velhinhos (e bem fofinhos, às vezes) e todos à sua volta foram indo e eles lá se vão lamentando “Todos se vão e eu aqui. O que é que eu ainda ando cá a fazer?”; ou porque não criaram o seu núcleo familiar mais próximo, do género, ou não casaram, ou não tiveram filhos, ou eram filhos únicos, ou seja, só tinham tios, padrinhos e afins que, obviamente, também sendo mais velhos que eles a vida se encarregou de os levar primeiro; e por último o cenário dos que têm família mas completamente desligada, pessoas que não falam com os filhos há 30 anos, que nunca conheceram os netos (ou talvez numa foto que uma vez receberam por correio…) e esses são os que custa um pouco mais.

Custa na medida em que não me cabe a mim, nem a nenhum voluntário, fazer juízos de valor (de todo!) mas custa-me aceitar, por vezes. Se é fácil, não é, porque todos somos seres humanos portanto é um exercício constante que tenho que ir fazendo mas que consigo cumprir e ir isenta de preconceito e juízos de valor.

Eu não imaginaria tal acontecer na minha família, mas não sabemos a história completa daquela família em concreto. Aliás todas as histórias têm sempre dois lados e eu só conheço o do idoso, sempre.

Isto pegando na deixa do João, de facto é duro não ter quem se lembre da nossa existência, e estes idosos não têm…o telefone não toca para saber se estão bem, se estão vivos sequer, o que lhes mantem o alento são as nossas visitas, a nossa presença semana após semana. Somos, muitas vezes, as únicas pessoas com quem falam na semana inteira, é normal que quando vamos embora fiquem, automaticamente, a contar os dias, até ao próximo dia em que vamos voltar.  Se imagino a minha família em condições destas, não imagino; mas há sempre elementos com quem nos damos menos bem e quase consigo entender como se pode chegar a este ponto.

Uma coisa é certa, nós estamos lá para eles e sem julgamentos, porque não sabemos o que se passou naquela família, se há apenas falta de vontade e amor, se aquela pessoa que se demonstra tão vulnerável neste momento connosco foi um sacana durante a vida, enfim…todas as histórias têm dois lados e nós vamos ouvindo as memórias dos nossos idosos, o que eles vão contando, o que querem partilhar, com mais ou menos floreados.

Mas é uma realidade pesada de lidar, por vezes, e estes últimos dois anos foi um grande abanão…perdemos mais idosos nestes dois anos que no tempo todo em que lá estou…e não foi para o covid, eu diria que foi para a solidão…

Mas o mais importante, é saberem que estamos sempre lá, independentemente de tudo o resto, todo o ano. E saberem que, afinal, há quem se lembre deles.

sermos pais dos nossos pais

Tri, 27.03.18

velhice bonita.jpg

As linhas delineadas nos rostos dos nossos pais, não são meras rugas, são marcas das lutas diárias, da vida a acontecer, das noites mal dormidas e sonos perdidos por nós.

 

 Os nossos pais não serão jovens para sempre, um dia, vão envelhecer. 

E creio que deverá ser uma honra se tivermos a oportunidade de presenciar esta fase da vida deles, pois teremos a oportunidade de retribuir todo o cuidado e dedicação que tiveram connosco, enquanto nos formaram pessoas.

Certamente, fizeram o melhor que souberam e que puderam de acordo com o que a vida lhes proporcionou.

 

Categoricamente, não creio que seja uma fase fácil também, teremos que estar melhor preparados para quando esta fase chegar. A velhice vai torná-los carentes, necessitados de atenção e de ouvidos pacientes que oiçam as suas mágoas e lembranças.

 

Mas essas lembranças, onde constaremos pela certa, farão com que se sintam vivos e por isso é tão importante que não as percam.

 

Ainda assim, terão retrocessos físicos (ainda que não muito graves, mas os inerentes ao avançar da idade), o corpo franzino precisará do nosso apoio para se mover, tal como fizeram connosco quando nos ensinaram um dia a andar.

A cabeça começará a ficar confusa e a contar as mesmas histórias, vezes e vezes sem conta, com o entusiamo de como se fosse a primeira vez.  

As inseguranças de infância (das quais já nem nos lembramos) têm tendência a repetir-se na velhice…sempre ouvimos dizer “que na velhice voltamos a ser crianças” e não foge muito à realidade; daí a necessidade premente de cuidados e atenção; da troca de papéis.

 

Não obstante, acredito plenamente que não estamos preparados para sermos pais dos nossos pais; é um processo de adaptação e aprendizagem.

 

Quer dizer, velho é um conceito relativo (sempre o é); para mim os meus pais não são velhos, estão simplesmente a envelhecer, no entanto, aos olhos do meu sobrinho eles são velhos, aos olhos dos amigos deles são perfeitamente normais, aos olhos dos meus avós seriam ainda uns jovens. É sempre relativo …

 

A maior dificuldade reside em conciliarmos o nosso espirito de filhos adultos com o progressivo envelhecimento deles; largarmos os ideais de criança de que os nossos pais são heróis, que são invencíveis e que estarão cá para sempre.

E assim, nada é mais justo do que estarmos ao lado deles quando precisarem, tanto ao longo da sua vida adulta como na velhice.

Ainda que, por vezes, a paciência nos possa trair e o aborrecimento surja, não é contra eles…é contra o tempo, o mesmo tempo que nos ensina, educa, cura e faz crescer e que os está a levar de nós.

Devemos tratá-los com carinho, respeito, oferecer-lhes colo (tal como fizeram connosco), em forma de companhia, de cuidado, de atenção, de sorrisos, de uma mão estendia e braços abertos.

 

É dar-lhes mais paciência e menos exasperação. Menos desassossego e mais apoio. Mais companheirismo e menos acusações. Mais afeto e menos cobranças.

Eles estão apenas a envelhecer; tal como todos nós, a cada dia que passa.