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Dupla grafia e dupla pronúncia

Tri, 23.06.21

Termóstato ou Termostato? E assim se gerou a confusão ontem na empresa.

Era preciso dar algumas ferramentas aos técnicos e um colega disse-me que o correto é dizer ‘termóstato’.

O correto? Como assim? Com base em quê?

Claro que se gerou automaticamente a discórdia (mas da saudável vá) e me levou a ponderar novamente a praticabilidade do Acordo Ortográfico. Já se passaram anos e continua a ser algo que, para além de gerar discórdia, gera erros consecutivos na nossa língua.

 

Eu não sou nenhum génio, nem muito letrada no assunto, mas respeito muito a nossa língua e gosto de ir aprendendo para evitar voltar a errar, mas, de facto, com o AO isso torna-se complicado tantas que são as situações dúbias e damos por nós a escrever (e a dizer atenção!) uma mistura entre pré-AO e pós-AO.  (basta ler os meus textos, onde isso acontece recorrentemente)

Ao contrário do meu colega, eu sou da equipa ‘termostato’ mas simultaneamente do ‘logótipo’, e aqui começam os contrassensos. Vou tentando ler sobre o assunto e aprendendo sempre, mas confesso que há palavras do novo acordo que me custa horrores aplicar e que me recuso perentoriamente. (e para ajudar à festa, o “querido” corretor automático do computador vai “corrigindo” as minhas palavras sem me pedir)

 

No quadro do Acordo Ortográfico de 1990, na secção 4 da Nota Explicativa, usa-se a expressão «dupla grafia» para designar casos de facultatividade. A dupla grafia é a possibilidade de se escrever a mesma palavra de duas formas válidas e corretas. Estas, no entanto, não são muito diferentes e algumas vezes a diferença sequer altera a pronúncia da palavra. Ou seja, na complexidade de haver uma regra clara para determinadas palavras quanto à ortografia o termo «dupla grafia» introduz essa possibilidade.

O objetivo implícito no AO foi o de conseguir que se tenha efetivamente uma só língua e não aparentemente duas, com grafias diferentes, ou seja, uma ortografia unificada de Língua Portuguesa. (uma treta na minha humilde opinião)

 

Mas então como se explica que se aceite “biópsia/biopsia”, “logótipo/logotipo”, “termóstato/termostato”, quando, supostamente apenas a primeira forma é a correta?

Pois bem, dizem que a língua é um organismo vivo e que as comunidades podem mudar a língua indiscriminadamente, uma vez que ela apresenta rigidez para as diferentes gerações ao longo dos anos, no entanto, tal implica sempre alguma conservação, caso contrário poderíamos ter simultaneamente grupos e faixas etárias com linguagens tão diferentes, que seria muito difícil comunicarem eficazmente entre si.

 

Ainda que existam estas possibilidade, se o acordo é ‘só um’, creio que devemos ser criteriosos quanto à utilização da nossa língua. Se optamos pela variante europeia, uma vez que somos portugueses, devemos selecionar a opção pronunciada em Portugal. Não significa que a alternativa usada no Brasil seja incorreta, mas trata-se de uma questão de coerência em relação aos princípios defendidos pelo AO. Deste modo, em Portugal, utiliza-se facto e, no Brasil, fato, visto haver uma oscilação na pronúncia.

Pronúncia essa que tem grande impacto na implementação do dito acordo pois alguém imagina que a ortografia possa ir ao encalço das pronúncias? Grande parte dos portugueses diz “joeilho”, “coeilho”, “bochêcha” mas alguém imagina que se decrete dupla grafia para isso? Ou que se adapte a ortografia? A ortografia e a pronúncia são coisas diferentes e devem ser tratadas como tal (tal como noutras línguas atenção).

Sobre o dito AO de 1990, António Guerreiro chamou-lhe “uma máquina de fomentar erros, de criar aberrações e instaurar o caos ortográfico” e Nuno Pacheco “O Acordo [Ortográfico de 1990] não é uma coisa com erros — é um erro com coisas.”; e eu estou de acordo, anos volvidos, regras a aparecerem e já se percebeu que muita coisa não faz sentido, que veio para estragar a nossa língua. Quando a riqueza está na variedade e não no facto de “sermos” todos iguais.

 

É que vendo bem as coisas, mesmo que o p de adopção e o c de tecto não se lessem, não existiam dúvidas quanto à sua aplicabilidade, aprendemos assim desde pequenos e creio que todos sabíamos ter que ‘colocar uma letra a mais’, mas daí a eliminar tudo…

Dizem que a língua evolui, facto; já não ninguém liga ao latim, nem se preocupa muito com a base das palavras; mas é uma argumentação fraca para aceitar tantas vergastas à nossa língua, pois os erros comuns que já existiam, continuam a existir como o ubíquo erro do há/à. Porque não tiraram o h do início das palavras também, já que não se pronuncia? (atenção que estou a ser irónica, não quero mais assassínios linguísticos)

Por tudo isto é que agora escrevemos “Egito”, o país onde vivem os “Egípcios”. E aquele que estuda a antiga civilização do “Egito” dedica-se à “egiptologia”, ou seja, é um “egiptólogo”. Faz sentido, não é? Não!

 

Há adaptações que não vejo como positivas e não creio que sejam minimamente relevantes, como a adaptação da escrita à oralidade… nós escrevemos “exacto” e não “izátu”, certo?

Por tudo isso continuam a existir dúvidas constantes, discussões na empresa (que depois derivam para o calão regional de cada um) e terminamos com a frase que mais se ouve ainda em pleno 2021, “Como se escreve esta palavra com o Acordo?”.

Será isto uma dificuldade minha de adaptação às mudanças, será da idade (eu falava a língua dos pês, e depois tiram-me os p, sinceramente…) ou será mesmo das incongruências do dito acordo? É só uma implicância minha?

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